O professor da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade de Cabo Verde (Uni-CV), Adilson Semedo, considerou hoje que a “intromissão do jogo político” na esfera das universidades tem afetado a produção científica em Cabo Verde. Adilson Semedo defendeu esta tese a propósito do II Congresso dos Doutorados Cabo-Verdianos, realizado no Instituto do Mar (IMAR) em São Vicente.
Para o docente universitário, que falou no painel “Novas abordagens do ensino superior em Cabo Verde”, a “atual partidarização das instituições de ensino superior” é um “contrassenso, que fere profundamente” os interesses do Estado e da Nação e que “prioriza essencialmente os interesses político/partidários”. Para Adilson Semedo, o “problema maior” é que mesmo a nível dos académicos ainda não há um consenso sobre isso, mesmo que todos estejam cientes de que se trata de um facto.
A mesma fonte disse ainda que seria interessante que aparecesse um académico que pudesse sustentar e dizer que o campo académico não está politicamente formatado. Isso, explicou, poderia motivar a abertura de um debate e a apresentação de um contraditório. Mas, defendeu que tal contraditório “não existe porque todos estão cientes que a influência política/partidária nas esferas universitárias, particularmente nas universidades públicas”, é algo “extremamente lesivo aos interesses da Nação”.
Segundo o professor, este facto impede a agenda para a ciência porque passa a haver indivíduos que estão “muito mais voltados e preocupados com o apetrechamento da sua vocação para a política” do que propriamente para a ciência. Mas, conforme Adilson Semedo, isso, em parte, acontece devido à desmotivação e falta de autoestima dos académicos que “não vêm uma política de carreira”, que já está formalizada, “a ser despoletada”, e que não vêm o investimento feito na sua formação, traduzindo-se na valorização do trabalho que desempenhou a nível do ensino e da investigação. Diante disso, explicou, mesmo estando numa esfera em que “devem desenvolver o trabalho científico, ao invés do político”, os académicos ficam “sensíveis a buscar estratégias empreendedoras para resolverem as suas vidas e necessidades” a partir de outros meios e “não focando exatamente no trabalho que deve ser”.
Questionado pela Inforpress se acredita que essa partidarização tem contribuído para a falta de financiamento para a produção científica em Cabo Verde, Adilson Semedo referiu que noutros países criam-se fundações com autonomia e personalidade jurídica próprias e que lhes permitam ter meios legais para recrutar e distribuir fundos, mas, observou, Cabo Verde “não avançou neste sentido”.
“Recentemente tem havido programas pontuais em que se financia um ou outro projecto, mas isso é irrisório quando se pensa em criar uma ciência de base e com base estruturada e sustentável”, afirmou Adilson Semedo, para quem estas são “nada mais de que medidas mais paliativas” que, no fundo, “não são sustentáveis”. Ou seja, concretizou, “mudam-se as decisões e vontades políticas e os programas desaparecem”.
Por isso, o professor universitário defendeu a necessidade de “um pacto de regime” em que os partidos políticos pudessem “sentar-se à mesa e decidir que as universidades passassem a ser um terreno neutro”. “Trata-se, contudo, de uma ideia hipotética e utópica, porque não há nenhum interesse do campo político em fazê-lo”, declarou, pelo que, finalizou, deve partir dos académicos em assumir isso como um problema e começar de facto a encetar lutas nesse sentido.